25 de novembro de 2007

Por que sou um metodista?

Brian McLaren

Que grande história os metodista têm para contar sobre si mesmos! Em 1739 o sacerdote anglicano George Whitefield (1714-1770) convidou os sacerdotes anglicanos John e Charles Wesley a se juntarem a ele na pregação de um evangelho evangelical onde ele fosse mais necessário (e aceito): não a partir dos púlpitos de uma igreja cada vez mais complacente e acomodada, mas nas ruas e campos, onde quer que estivessem pessoas sujas e sem igreja. Os irmãos Wesley se uniram a Whitefield -- George e John oferecendo a pregação e Charles a música. Música que o cidadão comum poderia relacionar a canções pé-no-chão, letras com um inglês simples, porém bonito, com boa melodia e uma batida interessante, canções com sentimento, mais como as músicas que eles cantavam no pub à noite, e não a música chata, acompanhada pelo órgão das catedrais. Mesmo depois que Whitefield partiu para a América, milhares vinham ouvir John e Charles. As pessoas respondiam poderosamente com lágrimas, tremores, gemidos e risadas estridentes.

Um repórter descreveu a cena fora da mina de carvão, onde os mineiros paravam no caminho de casa depois de um dia de trabalho estafante, mal pago, danoso à costas e prejudicial aos pulmões. Os mineiros talvez planejassem aliviar seus músculos doloridos e corações oprimidos com bebida forte, que provavelmente os levasse a espancar suas esposas e a outros gestos igualmente lamentáveis. A voz forte de John Wesley atraía seus ouvidos. Aquele homem tinha paixão e compaisão, era o comentário geral. Eles paravam e escutaravam alguém que não os desprezava por causa de seu comportamento reprovável. A multidão aumentava -- homens imundos, esgotados, com o rosto negro por causa do pó de carvão. Wesley falava de um Deus que os amava e queria ajudá-los mesmo que se embebedassem, mesmo que jogassem, mesmo que maltratassem suas esposas e filhos. O repórter notou trilhas pálidas e límpidas se formando nos rostos cobertos de pó negro daqueles homens rudes, trilhas formadas por lágrimas de arrependimento e fé.

E ele não parou (como muitos dos avivamentos contemporâneos param) na experiência emocional (seguida de um pedido de oferta). Os Wesley organizaram esses homens em grupos -- pequenos chamados de bandos, maiores chamados de classes, ainda maiores chamados de sociedades. Nesses grupos, os homens, e logo suas mulheres, vizinhos e amigos se juntaram para se ajudar mutuamente a experimentar uma transformação. Em semanas, meses, anos, havia milhares de pessoas cujas vidas haviam sido transformadas.

Por décadas, o movimento cresceu, desligando-se por fim da estrutura anglicana na qual havia nascido. Para se ter uma idéia da dinâmica inicial do metodismo, imagine um grupo de pessoas subindo uma montanha, cada uma delas sempre tendo alguém um passo acima e adiante para estimular a caminhada, e mais alguém um passo atrás e abaixo a quem encorajar e trazer para cima e adiante.

No entanto, o que era previsível aconteceu. Talvez algo assim: imagine um desses homens dez anos depois, um ex-carvoeiro que havia sido limpo, curado do vício da bebida e santificado já há uma década e que havia agora se tornado um pregador leigo. Ele nota sua filha adolescente correspondendo aos olhares de um jovem e simples carvoeiro recém-chegado às reuniões da sociedade. Ele se lembra se seu estado passado, antes de ter sido salvo e santificado, antes de ter deixado a mina de carvão para se tornar um comerciante. A última coisa que ele deseja para sua filha é que ela se enamore de um camarada como aquele.

Assim, na reunião seguinte, ele prega um pouco mais rigidamente que o normal contra o pecado e insinua que pecadores já não são mais tão bem-vindos. Em pouco tempo, a mensagem mais dura serve para depurar as pessoas de modo a fazê-las subir ainda mais alto no monte ou para tirá-las do trajeto de vez. Com o tempo, mais pessoas desistem que perseveram, e francamente, o mesmo ocorre com o comerciante -pastor-leigo e muitos de seus companheiros.

Agora o foco muda dos bêbados e jogadores para o jovens convertidos que não são tão zelosos e respeitáveis como os mais velhos. Eles são constantemente pressionados a subir mais alto e mais depressa ou então para abandonar tudo de vez, com alguns fazendo uma opção ou outra. E em muito pouco tempo, a velha subida se acaba e um platô a substitui.

Agora, em vez de uma progressão de pessoas em vários níveis de ascensão cristã, você possui um platô elevado, dos religiosos, e um profundo abismo de irreligiosos. Ambos não se gostam, ambos não se entendem, e um deseja que outro vá embora. Se alguém no abismo clama a Deus por ajuda, Deus não tem ninguém para enviá-la, ninguém que compreenda, que se importe, que se aproxime, que mentorie ou guie. Um convertido em potencial não tem ninguém para quem olhar como modelo: primeiro porque o religioso está muito distante dele e, segundo, porque eles não estão mais se movendo a lugar nenhum. Ninguém mais está na jornada. Todos estão entalados em seu status quo, alto ou baixo.

Esse tipo de "redenção e regeneração" atingiu em cheio os metodistas, e descreve aquilo que acontece em muitos movimentos avivamentalistas como o metodismo. Trata-se de uma fábula, uma fábula de advertência que, eu acho, instruiu os fundadores dos Alcoólicos Anônimos e os encorajou a continuar concentrados no próximo bêbado que cruzará suas portas.

[Bill Hybels, da Igreja Comunitária Willow Creek, e Rick Warren, da Igreja Saddleback, têm em nossos dias apoiado esta ênfase "naqueles que buscam", os "de fora da igreja", ainda não convencidos ou comprometidos.]

Por causa da redenção e regeneração, a glória e a genialidade do metodismo têm sido amplamente esquecidas. Não deveria ser assim, porque vivemos hoje uma situação bem semelhante à de Whitefield (que era calvinista) e dos Wesley (que não eram e tomaram um rumo diferente).

Lutero e Calvino criaram sistemas intelectuais protestantes (um tipo de hierarquia conceitual) que substituiu a hierarquia organizacional católica. Ninguém, no entanto, criou um sistema de formação espiritual e de cuidado para substituiur o sistema católico altamente desenvolvido de espiritualidade que se ampliara durante a Idade Média. Ninguém fez isso no século XVI, ninguém fez isso no século XVII ou em grande parte do século XVIII -- até os Wesley. As pessoas tinham a doutrina protestante, mas não tinham as trilhas, caminhos ou métodos de formação espiritual, a piedade dessas pessoas logo se dissipava tornando-se frustração espiritual e sonhos não realizados de fervor devocional. Complacência, nominalismo, intelectualismo e hipocrisia se espalharam pelo mundo protestante com apenas algumas exceções (como como os irmãos morávios). Não até que os Wesley fizessem em prol da formação espiritual aquilo que Lutero e Calvino haviam feito pela doutrina: criar um sistema que substituísse aquilo que havia sido rejeitado do catolicismo.

Hoje eu penso que estamos em uma situação paralela. A cristandade contemporânea (infelizmente, incluindo-se muitos metodistas modernos) se afastou das inovações de Wesley, produzindo complacência e comprometimento espiritual generalizados. Em meados da década de 1970 um forte sistema de nova formação espiritual se desenvolvera entre os convervadores, levemente inspirado (e na maioria das vezes sem intenção) na herança metodista, em grande parte pelas organizações "pára-eclesiásticas" tais como Navegadores, Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo e Aliança Bíblica Universitária.

[Desde os anos de 1970 e 1980, Howard Snyder, do Seminário Asbury, tem nos lembrado incansavelmente dos recursos disponíveis na herança metodista, e escritores como Richard Foster tem também insistido nisso com determinação admirável. Veja http://www.renovare.org/]

Não os rosários, as festividades e práticas dos católicos, não as bandas, classes e sociedades metodistas, mas sim um sistema informal envolvendo "horas silenciosas", pequenos grupos de estudo bíblico, guias auto-indutivos de discipulado, classes e currículos, retiros, encontros de reavivamento, competições, conferências e atividades similares.

Em meados da década 1990 e certamente na primeira década do novo século, mais e mais protestantes conservadores começaram a sentir que esses métodos para-eclesiásticos atuais não estavam mais funcionando. Poucos perceberam que muito dessa metodologia contemporânea possuía todo um alvo moderno por detrás: inculcar uma teologia sistemática básica, fundada em noções puramente modernas com as seguintes equações: pensamento correto = comportamento correto, mais conteúdo bíblico = cristãos melhores, conhecimento = poder.

Enquanto isso, almas intrépidas como Dallas Willard, Larry Craab, Richard Foster e outros confessaram suas observações: teologias sistemáticas ou conhcimento bíblico simplesmente não produziram transformação pessoal. Muitos líderes cristãos começaram buscando por uma nova abordagem sob a bandeira da "formação espiritual".

Essa nova busca levou muitos deles de volta às práticas contemplativas católicas e às disciplinas monásticas medievais (que, coincidentemente, também estão sendo descobertas por muitos protestantes "liberais" históricos com grande bênção). A busca ainda está no início, atrapalhada por uma dependência do pensamento e da metodologia modernos difícil de ser rompida na igreja e das pressões do consumismo na cultura como um todo.

A busca irá gerar (eu espero, creio e oro) um novo metodismo, tão atraente e relevante em nossos dias como os Wesley foram em seus dias. Assim como o metodismo wesleyano, ele enfatizará a importância dos grupos pequenos, dos amigos espirituais que se encontram para encorajamento e apoio mútuo e não em respostas indutivas, mas em questionamentos -- perguntas que levem a pessoa a refletir, pensar, considerar e a prestar atenção àquilo que está se passando em sua própria alma. Assim como o metodismo wesleyano, ele capacitará pessoas "leigas", percebendo que o batismo em si é um tipo de ordenação ao ministério e que o propósito do discipulado é treinar e dispor apóstolos cotidianos. E assim como os primeiros metodistas, ele enxergará os discipulado com o processo de estender adiante uma das mãos para encontrar a mão de um mentor alguns passos acima no monte, e de estender para trás a outra mão a fim de ajudar o próximo, irmão ou irmã na fila, que também está no caminho de subida do discipulado.

Que Deus nos livre de esquecer a mão que se estende para trás. Caso contrário, nossa ortodoxia certamente perderá a sua ortopraxia (prática correta), o que a tornará mesquinha e também, por fim, heterodoxa.

* * *

Capítulo 14 de "Uma ortodoxia generosa", de Brian Mclaren, Editora Palavra.
McLaren explica em outros capítulos também
"Por que sou evangélico, Por que sou pós-protestante, Por que sou bíblico, Por que sou liberal/conservador, Por que sou fundamentalista/calvinista, Por que sou católico, Por que sou verde, Por que sou depressivo-mas-esperançoso, Por que sou emergente, Por que sou não-acabado."

MAIS:

+ Indicação da Bacia das Almas
+ Generosa Blogosfera
+ Reconsiderando o Odre
+ Conversa Emergente
+ Renovaré Brasil

...pus até uma propaganda, que encontrei no Pavazine# aqui:



2 comentários:

  1. eu não sou Metodista, mas achei mt interessante o post, mt legal mesmo!

    tomará que o movimento realmente tome esse rumo...


    abração
    t++

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  2. Thiago Mendanha digitou:
    "Por que sou católico"
    http://thiagomendanha.blogspot.com/2008/01/porque-sou-catlico.html

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