8 de junho de 2010

Jesus, Paulo e o Reino de Deus

Jesus cria que estava levando ao ponto culminante do grande desfecho a antiga história de YHWH e Israel, que era o ponto central da antiga história do criador e do mundo. Ele cria que estava encarnando tanto a vocação do Israel fiel como a volta do YHWH a Sião, revestindo-se não só do destino do verdadeiro Servo de Deus, mas, se é possível dizer, do destino do próprio Deus.

Paulo achava que tinha um papel especial, extraordinário nos planos gerais do Deus de Israel, criador do mundo, e achava que aquele papel era precisamente não o papel de conduzir a história de Israel ao seu clímax (ocorrido na morte e ressurreição do Messias), mas antes o papel de cumprir a próxima missão extraordinária, dentro de um programa apocalíptico implícito, que era o de chamar todas as nações urgentemente à submissão leal àquele que agora tinha sido entronizado como Senhor do mundo. Paulo acreditava que era sua missão chamar ao ser, pela proclamação de Jesus como Senhor, a comunidade mundial em que as divisões étnicas fossem abolidas para que uma nova família fosse criada, como sinal para o mundo de que Jesus era seu justo Senhor e que uma nova criação tinha sido instaurada para chegar um dia ao pleno florescimento. 

Por que Jesus fala tanto do reino de Deus e Paulo tão pouco?

Em parte, a resposta dever ser que Jesus estava dirigindo-se a um mundo judaico no qual o "reino de Deus", a "soberania de Deus", a noção de que somente Deus devia ser o rei, era um dos mais impressionantes e perigosos temas. Muita gente tinha morrido, em um passado não muito longínquo, por causa desse tema e da tentativa de colocá-lo em prática. A Galiléia e a Judéia estavam cheias de gente jovem ansiosa por tomar sobre os ombros o jugo do reino, isto é, trabalhar pela santa revolução contra a potência imperial do Ocidente, custasse o que custasse. (As implicações para nosso mundo contemporâneo não são acidentais.) As populações dessas regiões inspiravam-se na tradição secular dos salmos e profetas, vivendo no mundo da narrativa gerado, conforme indicam os capítulos iniciais deste livro, por aquela matriz da criação e da aliança, da apocalíptica e do messianismo, daquele mundo em que Israel se ufanava, pelo menos na teoria, contra o paganismo com sua idolatria e seus impérios. Jesus estava vivendo naquele mundo também, mas estava oferecendo uma interpretação radicalmente nova do que aquele mundo devia significar, do que Deus queria que significasse e que, voltado para ele e para a sua obra, estava começando a significar. Grande parte de seus ensinamentos sobre o reino situava-se dentro de sua obra de curar e festejar, de estabelecer o reino de novas maneiras. Também suas muitas parábolas do reino eram maneiras de dizer: isto, e nenhuma outra coisa, é o que o reino de Deus significa. Dentro do clima político e cultural da época, era perigosíssimo dizer que alguém estava abraçando a visão do reino, porém de maneira bastante diferente da usual. As parábolas e ações simbólicas eram o modo natural mais adequado que podia ser empregado nesses casos.

Paulo conhecia tudo a respeito daquele mundo, mas não era aquele o mundo em que ele tinha sido chamado a trabalhar. Isto, não obstante, não quer dizer que ele houvesse trocado a mensagem judaica pela dos gentios ou dos helenistas. Pelo contrário, Paulo anunciava uma mensagem ainda nitidamente judaica, isto é, a mensagem segundo a qual o Messias de Israel, crucificado e ressuscitado, era o verdadeiro Senhor do mundo, um mundo que não estava narrando nem vivendo conforme as histórias do reino de Deus de estilo judaico. Não haveria nenhum motivo para Paulo se postar na praça do mercado de Filipos para dizer: "Vou contar-vos a que se assemelha o reino de Deus". Não era disto que as pessoas falavam nem era isto que desejavam saber os habitantes de Filipos. Já a outra atitude, de se levantar de dizer: "Vou anunciar-vos o verdadeiro evangelho do verdadeiro Senhor do mundo", lança uma frase que ressoaria por toda a parte, como expliquei no capítulo 4. Para Paulo, portanto, o "reino de Deus" tinha passado a fazer parte de todo o conjunto de explicações a ser dadas sobre o que Jesus já tinha feito através de sua morte e ressurreição, a obra que agora teria de ser implementada.

3 comentários:

  1. Bruno Moreira11/06/2010, 00:23

    N.T. Wright sempre com um ponto de vista inteligente e conciliador. Confesso que tenho lá minhas concordâncias com o argumento liberal que "põe a mensagem de Paulo um pouco em 'contraponto' com a de Jesus expressa nos evangelhos". Na verdade, um post do Paulo Brabo sobre o Jesus Soberano e o Jesus Histórico/Humano expressa bem minhas dúvidas sobre o tema.

    Haha, mas como um amigo me disse, tenho angústias existências, por isso não me posiciono sobre o tema. Que coisa essa dos seres humanos de quererem achar uma resposta para tudo... vamos conviver mais com as perguntas rs.

    Abraços!

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  2. Achei muitoo interessante e esclarecedor o texto de Tom Wright!


    abração Daniel,
    Fique na Graça!

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  3. Responses to this story include N. T. Wright: We Do Need History:

    http://www.christianitytoday.com/ct/2010/april/16.27.html


    Michael Horton responds to Scot McKnight’s cover story in CT – “Jesus vs. Paul”. The two scholars interact a little in the comments as well.

    http://www.whitehorseinn.org/blog/2010/12/14/jesus-vs-paul/

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